Uma criança se joga no chão em meio a gritos. Parece uma birra clássica, certo? Mas e se for uma crise de autismo? Esta diferença sutil pode mudar tudo. Vamos explorar além do julgamento, buscando compreensão e empatia para agir com sabedoria e compaixão.
Certa vez, eu estava na entrada do shopping com três amigas, quando uma cena clássica de BIRRA se desenrolou na nossa frente: uma criança se jogou no chão em um espetáculo de terror, exigindo um sorvete com toda a determinação do mundo. Em questão de segundos, os olhares de julgamento dos passantes começaram a fitar a situação, incluindo os nossos. Logo começamos a falar: “O pai é um banana?” alguém murmurou. “A mãe, muito mole?” outra amiga ponderou. Mas, entre nós, havia uma mãe que conhecia bem os desafios que muitos apenas especulam – ela tinha um filho no espectro autista.
Com uma voz cheia de experiência, ela nos chamou a atenção para a facilidade com que julgávamos aquela cena, sem compreender a verdadeira complexidade do que estava acontecendo. Ela nos contou como já havia passado por situações semelhantes inúmeras vezes, onde olhares afiados e comentários murmurados só adicionavam mais peso à já pesada tarefa de ser mãe.
Essa conversa nos levou a questionar: aquela criança seria autista? E se não fosse, os pais estavam sendo permissivos demais? Estariam eles lutando para impor limites ou seria uma crise além do controle deles? Era um típico caso de birra ou algo mais profundo? A diferença entre as duas situações não era apenas teórica, mas uma questão prática que muitos pais enfrentam diariamente. E assim, nossos julgamentos começaram a se desmanchar, substituídos por uma compreensão mais profunda e um pouco mais de empatia.
A diferença entre crise e birra
As birras são reações comuns em que a criança tenta conseguir algo que quer. É uma forma de comunicação, geralmente quando a criança está testando limites ou tentando expressar uma necessidade ou desejo não atendido. As crianças tipicamente fazem birra quando estão cansadas, querem atenção, desejam algo que foi negado.
Já as crises, geralmente são desencadeadas por fatores sensoriais, mudanças inesperadas na rotina ou situações que a criança com autismo não consegue processar adequadamente.
Crise
Imagine-se em uma festa inesperada, com música alta, luzes piscando e pessoas falando ao mesmo tempo. Agora, multiplique isso por dez – é assim que uma criança autista pode se sentir diante de sobrecargas sensoriais. Segundo o Dr. Thiago Castro, especialista em TEA, as crises são reações a fatores sensoriais ou mudanças inesperadas, situações que a criança não consegue processar adequadamente.
Comportamento: Durante uma crise, a criança pode não estar agindo de forma manipulativa. Em vez disso, pode apresentar choro inconsolável, gritos, autoagressão ou recusa total em interagir. É uma resposta ao estresse extremo que não pode ser controlado facilmente.
Como agir: Imagine-se como um guarda-chuva em uma tempestade, mantendo a calma e protegendo da chuva. O melhor a fazer é identificar e minimizar os estímulos causadores da crise. Criar um ambiente seguro e calmo, utilizar técnicas de descompressão sensorial, ou oferecer objetos de conforto pode ser útil. Manter a calma é crucial – repreender raramente ajuda e pode piorar a situação.
Birra
As birras são, vistas em qualquer criança que testa os limites do que pode ou não fazer. Elas são comportamentos típicos em busca de uma resposta específica – geralmente, conseguir algo desejado ou evitar uma situação indesejada.
Comportamento: Durante uma birra, a criança pode se jogar no chão, chorar ou gritar para que o adulto ceda às suas demandas. Pensa em uma criança no corredor de doces do supermercado – é isso.
Como agir: Aqui, o desafio é não ceder. Estabeleça limites claros e consistentes, ofereça alternativas e recompense comportamentos positivos. É fundamental entender a motivação por trás da birra e ajudar a criança a comunicar suas necessidades de maneira adequada.
Como Diferenciar
Agora que entendemos o que caracteriza uma crise e uma birra, e com algumas estratégias em mãos para lidar com cada situação, surge uma pergunta crucial: como podemos realmente diferenciar esses comportamentos na prática do dia a dia? Saber distinguir entre uma crise e uma birra é como possuir um mapa que nos guia através do complexo terreno emocional de uma criança autista. Vamos explorar algumas dicas e estratégias para ajudá-lo a navegar por essas águas com confiança e empatia.
- Consistência: Crises tendem a seguir um padrão específico, sendo respostas a sobrecargas sensoriais ou emocionais. Já as birras são mais erráticas, visando manipular o ambiente.
- Contexto: Avalie se o comportamento ocorreu em meio a mudanças extremas ou superestimulação, que são mais propensos a gerar crises.
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Para ilustrar, imagine a seguinte situação: é o aniversário do seu cunhado, e você decidiu levar seu filho autista para a festa. Ao chegar, você se depara com uma cena digna de um festival de música: balões estourando, crianças correndo em todas as direções, música alta e aquela tia que sempre tenta apertar as bochechas das crianças. É um cenário perfeito para a sobrecarga sensorial. No meio disso tudo, seu filho começa a mostrar sinais de desconforto, que logo se transformam em uma crise.
As mudanças extremas e a superestimulação da festa criaram um ambiente avassalador. Este é o tipo de situação mais propensa a gerar crises, lembrando-nos que, muitas vezes, é o ambiente que precisa de ajustes, não a criança. Compreender esses sinais e contextos pode fazer toda a diferença no suporte que oferecemos.
Reação do Adulto: Para tornar isso mais claro, imagine a seguinte cena: você está no supermercado com seu filho, e ele de repente começa a chorar e gritar no corredor dos cereais. As pessoas ao redor começam a olhar e você sente aquele calor subir. Agora, você tenta oferecer apoio, calmamente falando com ele e trazendo seu brinquedo favorito para distraí-lo.
Se você percebe que, após alguns minutos de atenção e redução dos estímulos (talvez se afastando um pouco da seção movimentada), seu filho começa a se acalmar, então é provável que tenha sido uma crise. A sobrecarga sensorial do supermercado foi aliviada pelo seu apoio emocional e a diminuição dos estímulos.
Por outro lado, se seu filho, ao perceber que não ganhará aquele terceiro pacote de biscoitos, subitamente cessa o choro e volta a olhar as prateleiras com interesse renovado, provavelmente estava fazendo uma birra. Essa cena ilustra como a reação do adulto e a resposta da criança podem dar pistas valiosas sobre a natureza do comportamento.
Lidar com birras ou crises requer paciência, empatia e um pouco de jogo de cintura. Reconhecer a diferença entre elas é essencial para proporcionar o suporte necessário à criança. Cada desafio é uma oportunidade para entender melhor as necessidades de nossos filhos e ajudá-los a navegar por um mundo muitas vezes projetado sem levar em conta suas percepções únicas.
Por isso, da próxima vez que você testemunhar uma cena dessas, talvez seja a oportunidade perfeita para oferecer um sorriso de apoio ao invés de um olhar de julgamento. Afinal, todos nós estamos tentando fazer o nosso melhor, não é mesmo?